Meu pai, de novo…

Bom dia, lindo domingo por aqui…

Já fiz meu treino longo de corrida, já descansei, o almoço já foi, gostoso e sossegado, a casa está silenciosa…

Hoje eu vou passar o domingo em casa, desalecerar, descansar, porque a semana que entra vai ter que render muito. Mas eu gosto dessa calma que alguns domingos nos trazem, adoro sair e passear também, mas desacelerar, às vezes, é tudo que precisamos…

E assim também me sobra mais tempo para escrever para vocês. Parece que eu já incorporei isso, preciso escrever sobre alguns assuntos, e hoje, como muitas outras vezes, quero falar do meu pai.

Na quarta-feira passada, dia 31/08, meu pai recebeu uma homenagem da prefeitura de São Bernardo do Campo, o título de Cidadão São Bernardense. Ele é natural de São Paulo e assim que se casou com minha mãe, que é mineira mas morava em São Paulo também, eles se mudaram para São Bernardo do Campo. Meu pai, que é advogado, havia recebido uma oferta de emprego na prefeitura daquela cidade.

Naquele tempo, em 1961, 1962, a região do ABC aqui em SP estava crescendo bastante por conta das fábricas de automóveis e autopeças, então as oportunidades de trabalho eram fartas. Resumindo um pouco, ele acabou indo trabalhar na fábrica de pneus Firestone, em Santo André, e foi lá que minha família se estabeleceu de verdade, onde nascemos eu e meus irmãos e onde meu pai montou seu escritório e pôde desenvolver-se em sua carreira.

Além de advogado ele também foi por muitos e muitos anos professor de Direito, carreira pela qual ele tinha uma paixão impressionante. Como professor ele também fez uma muito bem sucedida carreira, e, anos depois de ter morado em São Bernardo, foi convidado para ser Diretor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, que é ligada à prefeitura, cargo que exerceu por dois mandatos. Depois ainda foi Vice-Diretor, Professor Coordenador da Pós Graduação e Professor Titular da Cadeira de Direito Tributário.

Estou contando tudo isso para que vocês entendam o motivo dessa homenagem. Ele recebeu esse título por iniciativa do Vereador Tunico Vieira, que foi seu aluno na faculdade, e que reconheceu nele uma importante contribuição para a cidade, já que em suas gestões meu pai mudou e melhorou o sistema do vestibular, abriu a faculdade para a comunidade e fez da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, junto com muitos outros grandes e importantes profissionais, uma das faculdades mais importantes da região.


Meu pai na mesa que lhe prestou a homenagem (ao centro)

Naturalmente foi um evento especial – a própria Faculdade cedeu seu anfiteatro para receber o evento, meu pai pôde encontrar com seus colegas de muitos anos, foi apresentado um vídeo com depoimentos emocionados de seus ex-alunos, colegas e familiares, foi tudo muito bonito.


Meu pai ao centro com os discursantes

Mas quem me acompanha aqui sabe muito bem das dificuldades que ele enfrentou no último ano e meio, com seu acidente, as lesões cerebrais e nas vértebras, sua internação por 11 meses, a idas e vindas, o tempo em coma, as 10 cirurgias… Não foi um período nada fácil.


Ele e o Vereador Tunico

Na véspera desse evento, terça passada, meu irmão me ligou do escritório do meu pai (todos meus 3 irmãos são advogados como meu pai, só eu segui outra carreira), e enquanto falava com ele, eu podia ouvir sua voz ao fundo, falando com alguém sobre um trabalho. Naquele momento, pela primeira vez nesse ano e meio, eu ouvi meu pai falando exatamente como ele sempre falou. Era ele, com certeza!

É impressionante como a doença vai tomando conta da pessoa… Meu pai sempre foi muito grande e forte, e quando ele teve a lesão cerebral e passou pela primeira cirurgia e foi para a UTI, ainda com sedativos e incrivelmente forte e agitado, precisou, até, ser amarrado na cama para não arrancar tudo e sair de lá. Aos poucos a doença foi vencendo meu pai, a cada nova cirurgia mais imóvel e incapacitado ele parecia ficar, e, ao final, quando já tinha perdido mais de 50 kg e estava muito fraco, sua voz mal podia ser ouvida. Só quem já acompanhou um paciente assim entende o que eu quero dizer, é como se a doença tomasse posse da pessoa, é horrível…

Então ouvi-lo falar no seu tom de voz, no seu ritmo, e com suas palavras, aquilo me encheu de alegria! Falei com ele ao telefone também e depois, quando desliguei, me permiti dar aquela “choradinha básica” no ateliê, eu estava sozinha mesmo, então não tinha com o que me preoucupar… Quanta alegria!

No dia seguinte, durante a homenagem, eu fiquei muito emocionada, naturalmente. Vários colegas, clientes, alunos e amigos do meu pai estavam lá, pessoas que não o viam desde antes do episódio e que não tinham muita ideia de como o encontrariam. E meu pai estava lá, lindo, todo elegante de terno, colete e gravata (que ele mesmo deu o nó), falando com ele sempre falou, cumprimentando a todos com seu sorriso lindo e seus olhos azuis brilhantes. Ele ainda não está andando sem ajuda de um andador, e achamos melhor que ele ficasse na cadeira de rodas, mas se não fosse por isso, ninguém diria que ele tinha passado por tudo que passou…


Recebendo os aplausos

O fato é que eu fiquei muito emocionada, mas muito mais ainda, eu fiquei feliz. Feliz porque meu pai, que há duas semanas atrás teve que voltar ao hospital por causa de uma anemia aguda (até sabermos que era apenas uma anemia, havia a suspeita de ser algo na medula, ou uma leucemia), e dizia que achava que sua vida já tinha terminado (ele adora um drama, como bom italiano), lá estava ele, como muitas outras vezes esteve, em eventos e homenagens como essa, exatamente como ele é e como tem que ser.

Durante todo o evento eu pensava em como as coisas tinham, afinal, ficado bem. E a felicidade, nessa hora, superou, em muito, toda tristeza, agonia e dúvida que o ano e meio desse tempo ruim havia deixado em mim.


A família posando com ele para uma foto

Impossível não me lembrar dos médicos que nos ajudaram naquele tempo de agonia. Impossível não me lembrar do Dr. Alexandros, neurocirugião que atendeu meu pai no primeiro momento; do Dr. Eduardo, médico responsável pela UTI, que nos dava conforto e carinho nas horas mais complicadas; do Dr. Adanor, a quem sou particularmente grata, além de ser meu sogro, é também médico pediatra, e esteve com minha família o tempo todo, ajudando e apoiando. Aliás, foi o meu sogro quem fez contato, assim que meu pai foi internado, com seu colega e neurologista Dr. Tedesco, que acompanhou todo caso e indicou o neurocirurgião, Dr. Flávio Miura, esse sim, junto com o Dr. Joel, os responsáveis diretos pela recuperação do meu pai (o Dr. Flávio conduziu boa parte das cirurgias) e, por fim, quem indicou a Dra. Maísa, geriatra, ela que atualmente está acompanhando meu pai e ajudando em sua plena recuperação. É uma rede de profissionais, todos ligados de um jeito ou de outro, são também pessoas que muito nos ajudaram e a quem eu queria agradecer naquele dia tão feliz em que meu pai recebia sua homenagem. Muito obrigada, doutores.

Impossível não me lembrar também daqueles que não acreditavam, que faziam questão de nos dizer que as coisas pareciam ser bem ruins, que tudo poderia se complicar muito. Me lembro de um determinado médico da UTI que fazia questão de nos chamar de lado e enumerar toda lista de prováveis sequelas que meu pai teria por conta da lesão cerebral. A lista era imensa: ele não voltaria a andar, nem falar, nem ouvir, nem enxergar, nem pensar… Tudo era possível, mas qual a finalidade daquelas sessões intermináveis de derrotismo? O Dr. Sequela (eu o apelidei assim, naturalmente) também foi impossível de esquecer, mas eu sempre duvidei dele, e sempre dizia, para mim mesma e para quem quisesse ouvir: você está errado, eu não acredito nisso. E, no fim das contas, eu tinha mesmo razão, afinal…

O mais curioso é que meu pai não se lembra de quase nada desse ano e meio. Ele não se lembra do dia que sofreu a queda e as lesões, não se lembra do tempo em que ficou em coma, não se lembra de metade desses médicos. E no dia da homenagem, quando saímos do evento e fomos jantar, eu sentei ao seu lado e, conversando com ele, percebi que pela primeira vez ele estava realmente curioso em saber mais detalhes de tudo que havia acontecido.

Eu fui me lembrando de algumas passagens, tentando contar para ele de forma resumida, mas sem deixar os detalhes importantes de lado, tudo que havia acontecido. O interesse dele, naquele momento, para mim era mais uma prova de que a página daquele incidente estava sendo virada…

Isso tudo me deu muita vontade de retomar as coisas que escrevi naquele tempo, muitas delas aqui, em meu blog, de reescrevê-las, de montar um diário daquele tempo. Talvez eu faça isso mesmo um dia desses, será bom, como registro para meu pai, e será bom para a gente seguir adiante de verdade.

Há duas semanas atrás meu pai dizia que sua vida tinha terminado, e eu dizia a ele que não, que ele estava enganado. Ele ainda iria ver muita coisa boa acontecendo, e de fato viu. Essa homenagem é um exemplo claro disso. Mas ele ainda verá muito mais: esse ano sua primeira neta vai se formar na faculdade e ele estará lá para vê-la receber seu diploma; ele ainda há de fazer mais alguns trabalhos importantes, quem sabe escrever mais algum livro e receber mais algum prêmio. Depois verá, quem sabe, seus netos se casando e seus bisnetos nascendo. Por que não, não é mesmo? A vida nos surpreende…

Assim como os médicos e as pessoas que achavam que meu pai não iria sair dessa estavam errados (como eu tinha certeza que estavam), falei para meu pai que ele estava errado também. Não, pai, sua vida não acabou ainda. Viu como eu tinha razão?

Boa semana a todos!


12 comentários em “Meu pai, de novo…”

  1. Cris.. adorei a homenagem ao seu pai, fiquei sabendo dessa homenagem por um outro vereador amigo, fiquei muito feliz em saber que ele esta bem… Mande um beijo ao “seu’ Eduardo…. Beijo grande pra você.

  2. Cris,

    Que depoimento bonito.Fico feliz de você estar compartilhando tudo isso com a gente.
    Parabéns ao seu pai! A vida nos surpreende muito.Sempre temos que acreditar no que é bom!
    Com certeza ele vai fazer ainda muita coisa! Linda a sua família.
    Beijo e uma semana maravilhosa!

    1. Obrigada, Janaína, eu realmente preciso escrever sobre essas coisas, isso me ajudou e ajuda demais. Um beijo, e uma ótima semana para vc! Espero que sua filha esteja melhor… ∫js.

  3. Olá Cristina. Eu também fui aluna do seu pai, grande mestre e excelente advogado. Fico mais feliz de saber o bom pai que ele é, o que podemos ler aqui nas palavras da filha pela tradução de um afeto imenso. A vida é jornada bonita, basta olharmos atentamente cada passo dado. Meu abraço em vocês todos!

    1. Oi, Penélope, que legal, ele teve muitos, muitos alunos que ficaram tocados pelo que aconteceu com ele… Essa homenagem foi um bom retorno. Obrigada pelo carinho e um beijo grande!

  4. Oh, Cris, fico muito feliz por você e seu pai! Graças a Deus que passou a etapa ruím e agora vcs só têm motivos pra comemorar!!!! Muitas felicidades pra vc e sua família!!!
    Bjo.

  5. Oie Cris, saudades
    Que coisa maravilhosa…. Deus sempre nos surpreende mesmo, fiquei muito feliz por todos vocês. Um bom feriado!!!!
    Beijos

  6. olá cris
    sei o quanto é muito importante para vc escrever para podermos acompanharmos sobre seu pai mas confesso já estive várias vezes e não conseguia nem escrever cada vez que lia me emocionava muito, pra mim ainda é dificil algo que fala sobre pai mas fiquei muito feliz por toda sua familia ,seu pai quando o vi nesta foto a homenagem imagino a emoção de todos e cada dia uma vitória alcansada…..espero que cada dia ele há de recuperar mais e mais…bjks amiga …tudo de maravilhoso pra vcs <3 <3

    1. Sim, Eni, para mim é muito importante, têm me ajudado muito. Entendo que seja difícil, é mesmo muito complicado. Mas acho que nós estamos realmente virando essa página agora, felizmente. Obrigada por todo carinho, Eni. Um beijão!

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