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Um dia como outro qualquer…

Nessa última quarta-feira, dia 30 de abril, aconteceu uma coisa curiosa aqui em meu Studio/Ateliê.

Não era um dia especial, não estava particularmente bom, nem ruim.
Era apenas um dia como outro qualquer.

Na verdade, estava até um dia que poderia – em outro momento – me deixar meio irritada ou ansiosa. Eu tinha acordado cedo para fazer meu exercício matinal, e naquela quarta-feira fui praticar yoga às 7h. Na saída, 8h, o trânsito já estava meio chato, véspera de feriado, cedo pela manhã… Mas ok, cheguei em casa, tomei meu café da manhã, aí o banho, atendi às demandas da casa, antes de sair falei com as pessoas que estavam por lá etc etc.

Fui para a fisioterapia – estou em tratamento, fazendo fisioterapia 3 vezes por semana, e a sessão até demorou um pouco mais, cerca de 1h40. Saí de lá tarde, e já era hora do almoço. Em um dia qualquer, eu teria ficado irritada com isso, com a demora de começar meu trabalho. Mas naquele dia, não.

Naquele dia, naquela quarta, fui para o ateliê, aí fui escrever no site do Clube de Artesanato, que é o meu trabalho, respondi emails, esperei repostas, respondi de novo… Ajustei as fotos, editei escrevi, postei. Resolvi uns probleminhas com o banco, fiz uma ligação. Separei uma encomenda, fiz outra ligação, atendi uma pessoa que queria saber sobre aulas, respondi mais uns emails, outra ligação, fiz uma entrega e finalmente fui comer alguma coisa, lá pelas 15h…

Em um dia qualquer isso teria me deixado bem ansiosa também. Até aquele momento, nada de “trabalho no ateliê”, que é como chamo meu trabalho produtivo, da minha produção artística. Com exposições marcadas para daqui a duas semanas, perder 30 minutos de trabalho já me deixa angustiada, imaginem então a manhã toda e mais uma parte da tarde.

Mas naquele dia eu fui trabalhar na hora em que foi possível, e o trabalho estava indo bem: eu tinha terminado meu livro e ficado muito satisfeita com ele, e os outros projetos também estavam bem encaminhados, então eu pude trabalhar gostando daquele tempo. Sentia o cheiro de tinta no meu ateliê e gostava daquilo, olhava os papéis impressos todos juntos na secador de papel e também gostava muito da imagem que via…

Depois de imprimir algumas gravuras e gravar mais algumas telas, fiz uma pausa para o café. Arrumei algumas coisas na cozinha enquanto o café passava, depois peguei uma caneca com o café e fui dar uma olhada pela janela da sala do Studio.

Olhei o final de tarde, a luz bonita de um fim de tarde de outono, vi o reflexo dos meus trabalhos na janela, olhei para minhas coisas, olhei para fora, pela janela, e naquele exato minuto, tive uma sensação muito curiosa: pensei em como eu iria sentir falta daquele dia de abril, dos dias de abril. Logo em seguida, pensei que ainda viria maio, e seus dias ainda mais lindos, depois junho, que adoro, julho, agosto, setembro, o ano todo. Pensei: “por que sentir falta desse dia, se você tem ainda todos os outros dias da sua vida para viver?”

E tive uma sensação muito curiosa de conforto, de satisfação.
Pensei em como eu era privilegiada por ter todos os dias para viver como aquele dia, um dia comum de abril, e tive um momento, um breve momento de satisfação plena, essa que as pessoas vivem buscando para se elevar. Durou alguns poucos segundos, mas compreendi, naquele minuto, que a gente é verdadeiramente feliz quando é pleno, e só somos plenos quando temos a consciência exata de quem somos. Eu, naqueles segundos, entendi que sou o que vivo naqueles momentos, aqueles dias da minha vida, e que isso me bastava.

A gente passa a vida toda, a maior parte do tempo, esperando algo.

A gente espera terminar um curso, espera encontrar o trabalho ideal. A gente espera ficar pronto, espera “chegar lá”, espera a hora certa. Espera segunda-feira para começar o regime e a academia, espera o fim do mês para começar de verdade, espera a melhor hora para mudar, espera…

Na escola os professores esperam os alunos aprenderem isso para depois ensinar aquilo; os chefes esperam seus subordinados estarem prontos, e todos esperam a hora certa para tudo: casar, ter filho, mudar de vida, de cidade, de emprego. A gente espera o dinheiro alcançar, espera alguém chamar, espera algo terminar, ou começar. A gente espera encontrar o amor das nossas vidas, o projeto de vida, a casa dos sonhos.
E vai esperando…

Mas nada, nenhuma dessas coisas vêm, e muitas delas nem sequer existem.
Não há hora certa, não há momento ideal, e a felicidade não é um lugar para você ir, para chegar até lá.

A gente pode ser feliz – ou ao menos ter esses momentos de felicidade – em um dia qualquer, quando nos encontramos plenos, quando tomamos consciência de ser quem somos, plenos, em uma tarde qualquer, comum, de um dia de abril.

Foi isso que aconteceu comigo naquela tarde, e me fez muito bem.
Não sei se foi o fato de ter praticado yoga pela manhã, não sei se foi porque estava satisfeita com um trabalho que havia feito. Mas o fato é que me senti muito bem. Me senti satisfeita, calma e serena.

Pode até ser que a felicidade apareça de muitas outras maneiras, e pode ser que para algumas pessoas ela seja muito diferente disso. Mas para mim, naquele dia, a felicidade era estar lá, em meu studio/ateliê, entre minhas coisas e trabalhos, simplesmente vivendo um dia de abril, do qual eu sentiria saudades depois…


Maio!

Adoro o outono… E Maio chegou cheio de paixão. <3

“Vermelho é cor tão quente,
Lembra amor, lembra paixão
E nos faz pensar, dolentes,
Como é boa essa emoção.”

Trova de Eduardo D. Bottallo


Meu escritor preferido, Gabriel Gárcia Marquez

Na última quinta, dia 17 de abril, faleceu o escritor colombiano Gabriel Gárcia Marquez, meu escritor preferido.

Sua obra mais conhecida é “Cem Anos de Solidão” – com mais de 30 milhões de exemplares vendidos e traduzidos para mais de 35 idiomas, é também uma unanimidade entre leitores latino-americanos, uma das obras mais lidas e traduzidas no mundo todo. Ou seja, dizer que esse é meu livro preferido não surpreenderia ninguém…

Mas do Gabriel eu tenho dois lidos preferidos, na verdade.

Quando li “Cem Anos de Solidão”, tive certeza, seria ele a ocupar esse posto. Esse é um livro que transforma completamente nossa relação com a literatura. Ele abre um universo novo, único, particular.
Quando li, me transformei, sem dúvida.

Algum tempo depois li o maravilhoso “O Amor nos Tempos do Cólera”, que me arrebatou. É uma história de amor, a mais linda história de amor já escrita, e aí decidi que não iria ter um, mais sim dois livros preferidos.

Na quinta passada eu estava trabalhando em meu ateliê de serigrafia, fazendo minha nova série para um livro de artista, quando escutei no rádio a notícia de que ele havia morrido.
Fiquei muito triste, imensamente triste.
Sim, ele já tinha bastante idade e estava doente, certamente foi melhor assim, mas eu experimentei uma sensação única de tristeza, um vazio, um buraco, algo difícil de explicar.

Parei um pouco o trabalho, olhei para minhas gravuras na mesa – esse projeto no qual estou trabalhando será formado por nove gravuras de uma mesma série – olhei para os trabalhos lá, em minha mesa, e pensei em como ler Gabriel havia me influenciado, e o quanto dele havia ali, em meus trabalhos, naquela tarde de abril de 2014, cerca de 28 anos depois de eu ter conhecido esse escritor que mudaria tudo para mim.

Quando eu li “Cem Anos de Solidão”, com seus personagens fantásticos, todos com o mesmo nome, confundindo a gente (Josés Arcádios, Aurelianos, Amarantas e Rebecas…) mergulhei em uma euforia ímpar: o livro era tão inspirador, as descrições, as conversas, um mundo todo dentro de outro, e outro e outro…Quantas imagens se formavam em minha cabeça! Seu realismo fantástico coloca as coisas comuns, de nosso cotidiano, em outra perspectiva.

Eu queria morar naquele livro. Queria morar em uma Macondo, a minha Macondo.

Me marcou em especial o personagem Coronel Aureliano Buendía, que fazia peixinhos de ouro para depois derreter e tornar a fazê-los, sempre iguais, os mesmos peixinhos de ouro, num sem fim até a morrer…
Havia alguma coisa de muito reconfortante para mim nesse personagem, e só depois de um tempo fui entender o que era. O trabalho manual, feito repetidamente, que por si só dava sentido a uma vida toda.
Pensar naquilo me reconfortava, afinal, como artesã, eu poderia também encontrar sentido em minha vida apenas usando minhas mãos.

Li “Cem Anos de Solidão” em três momentos, todos distintos: a primeira vez, em português, lá pelos idos de 1985, 1986… Mergulhei na leitura e sai de lá outra pessoa. Tinha a sensação que não queria nunca mais ler outra coisa que não fosse ele. E fui mesmo atrás de outros livros seus.

Depois fui ler novamente “Cem Anos de Solidão”, em 1998/1999, quando estive pela segunda vez na Bolívia, mais precisamente em Santa Cruz de La Sierra. Estava viajando para dar aulas pela Acrilex em países latino-americanos, e me aventurava no espanhol, lendo bastante, e me virando para falar também. Resolvi ler, nessa ocasião, a obra em espanhol, mas ainda sofri um tanto, a leitura é difícil para os pouco habituados com o idioma.

Mas me lembro bem – como se tivesse sido ontem – eu estava hospedada em um hotel muito bonito, uma “quinta”, como eles dizem em espanhol, uma casa com pátio interno e muitos jardins, todos os quartos dando para esse pátio. Eu viajava sozinha a trabalho, e ocupava todo meu tempo livre lendo, e como estava em um país de língua espanhola, me senti, de fato, imersa naquele universo mágico do Gabriel, lendo “Cem Anos…” em espanhol.

E, por fim, depois de mais 5 ou 6 anos voltei a ler a obra, novamente em espanhol, e já com domínio da língua, foi muito mais fácil. Pude me deliciar com esse idioma, que adoro e que tenho como meu segundo, e mergulhar ainda mais no universo fantástico de Gabriel.

Nesses anos eu li muitas outras obras do Gabriel, mas a que mais me tocou foi “O Amor nos Tempos do Cólera”.

Não dá para dizer que gostei mais de um livro do que do outro, porque ambos são maravilhosos. E se “Cem Anos…” é uma obra grandiosa, com inúmeras histórias, todas acontecendo ao mesmo tempo, e todos os tempos misturados, “O Amor nos Tempos do Cólera” é um romance, a história da mais linda história de amor que alguém poderia imaginar. E o final do livro, seu parágrafo final, é certamente o mais belo parágrafo já escrito por alguém nesse mundo. Não vou reproduzi-lo aqui, recomendo a quem não leu que leia, é um livro maravilhoso. Li em português e espanhol também, e presenteei muitas pessoas queridas com esse livro.
Recomendo fortemente.

Fiquei muito triste com a morte de Gabriel – ou Gabo, como era carinhosamente chamado.
Realmente me tocou muito.
E a melhor frase que alguém escreveu sobre seu falecimento foi justamente meu sogro, que foi também a pessoa que me apresentou a esse escritor que me transformou, e isso quando eu ainda era muito jovem…

Ele falou: “Perdi um amigo que jamais soube da minha existência.”

E entendi que minha tristeza era exatamente essa, eu sentia o mesmo.
Sentia que tinha perdido um amigo, um mestre, alguém que havia me tocado e influenciado tanto, e que eu nunca tive, ou teria, a oportunidade de dizer isso a ele, de agradecê-lo.
É uma dor doída, essa.

Mas talvez ele saiba, sim, que entre seus leitores apaixonados, como eu, estão inúmeros amigos e amigas, alunos e discípulos. Todos muito gratos por ele ter tornado nossas vidas mais ricas, e todos muitos tristes pelo vazio que ele irá deixar.

Eu me senti assim, esvaziada.
Mas te vi em meus trabalhos, Gabriel, e me reconfortei.
Obrigada, Gabo. Vou sentir sua falta.


E é o tempo passando…

É curioso como algumas coisas acontecem, não é mesmo?

Ontem escutei no rádio uma música que eu simplesmente adoro, com minha cantora preferida, a Sade (já escrevi aqui, em outros posts, que se pudesse escolher ser outra pessoa, era ela quem eu queria ser… que voz, e como é linda!) e me dei conta que há mais de um ano não escutava nenhuma música dela.

Não por nenhum motivo especial, apenas por acaso: mudei a seleção de músicas no ipod, não coloquei nenhuma dela – meio que sem querer – e mesmo ouvindo rádio todos os dias, não seria capaz de dizer quando foi a última vez que a ouvi cantar.

A música começou a tocar no rádio, assim, no meio da tarde, e imediatamente me transportei para o show dela que assisti em Brasília, em outubro de 2011.
E nossa, como faz tempo… Nas minhas lembranças parecia que tinha sido ontem!

Mas ok, é assim, o tempo e a vida vão nos levando…
É como as coisas são.
Sei que foi bom relembrar.

Essa é a versão ao vivo, como ela canta no show:

http://youtu.be/L-6OMf1bTGs

E esse o clip da música, bem legal também.
Notem que ela aparece bordando. Achei legal!