Meu escritor preferido, Gabriel Gárcia Marquez

Na última quinta, dia 17 de abril, faleceu o escritor colombiano Gabriel Gárcia Marquez, meu escritor preferido.

Sua obra mais conhecida é “Cem Anos de Solidão” – com mais de 30 milhões de exemplares vendidos e traduzidos para mais de 35 idiomas, é também uma unanimidade entre leitores latino-americanos, uma das obras mais lidas e traduzidas no mundo todo. Ou seja, dizer que esse é meu livro preferido não surpreenderia ninguém…

Mas do Gabriel eu tenho dois lidos preferidos, na verdade.

Quando li “Cem Anos de Solidão”, tive certeza, seria ele a ocupar esse posto. Esse é um livro que transforma completamente nossa relação com a literatura. Ele abre um universo novo, único, particular.
Quando li, me transformei, sem dúvida.

Algum tempo depois li o maravilhoso “O Amor nos Tempos do Cólera”, que me arrebatou. É uma história de amor, a mais linda história de amor já escrita, e aí decidi que não iria ter um, mais sim dois livros preferidos.

Na quinta passada eu estava trabalhando em meu ateliê de serigrafia, fazendo minha nova série para um livro de artista, quando escutei no rádio a notícia de que ele havia morrido.
Fiquei muito triste, imensamente triste.
Sim, ele já tinha bastante idade e estava doente, certamente foi melhor assim, mas eu experimentei uma sensação única de tristeza, um vazio, um buraco, algo difícil de explicar.

Parei um pouco o trabalho, olhei para minhas gravuras na mesa – esse projeto no qual estou trabalhando será formado por nove gravuras de uma mesma série – olhei para os trabalhos lá, em minha mesa, e pensei em como ler Gabriel havia me influenciado, e o quanto dele havia ali, em meus trabalhos, naquela tarde de abril de 2014, cerca de 28 anos depois de eu ter conhecido esse escritor que mudaria tudo para mim.

Quando eu li “Cem Anos de Solidão”, com seus personagens fantásticos, todos com o mesmo nome, confundindo a gente (Josés Arcádios, Aurelianos, Amarantas e Rebecas…) mergulhei em uma euforia ímpar: o livro era tão inspirador, as descrições, as conversas, um mundo todo dentro de outro, e outro e outro…Quantas imagens se formavam em minha cabeça! Seu realismo fantástico coloca as coisas comuns, de nosso cotidiano, em outra perspectiva.

Eu queria morar naquele livro. Queria morar em uma Macondo, a minha Macondo.

Me marcou em especial o personagem Coronel Aureliano Buendía, que fazia peixinhos de ouro para depois derreter e tornar a fazê-los, sempre iguais, os mesmos peixinhos de ouro, num sem fim até a morrer…
Havia alguma coisa de muito reconfortante para mim nesse personagem, e só depois de um tempo fui entender o que era. O trabalho manual, feito repetidamente, que por si só dava sentido a uma vida toda.
Pensar naquilo me reconfortava, afinal, como artesã, eu poderia também encontrar sentido em minha vida apenas usando minhas mãos.

Li “Cem Anos de Solidão” em três momentos, todos distintos: a primeira vez, em português, lá pelos idos de 1985, 1986… Mergulhei na leitura e sai de lá outra pessoa. Tinha a sensação que não queria nunca mais ler outra coisa que não fosse ele. E fui mesmo atrás de outros livros seus.

Depois fui ler novamente “Cem Anos de Solidão”, em 1998/1999, quando estive pela segunda vez na Bolívia, mais precisamente em Santa Cruz de La Sierra. Estava viajando para dar aulas pela Acrilex em países latino-americanos, e me aventurava no espanhol, lendo bastante, e me virando para falar também. Resolvi ler, nessa ocasião, a obra em espanhol, mas ainda sofri um tanto, a leitura é difícil para os pouco habituados com o idioma.

Mas me lembro bem – como se tivesse sido ontem – eu estava hospedada em um hotel muito bonito, uma “quinta”, como eles dizem em espanhol, uma casa com pátio interno e muitos jardins, todos os quartos dando para esse pátio. Eu viajava sozinha a trabalho, e ocupava todo meu tempo livre lendo, e como estava em um país de língua espanhola, me senti, de fato, imersa naquele universo mágico do Gabriel, lendo “Cem Anos…” em espanhol.

E, por fim, depois de mais 5 ou 6 anos voltei a ler a obra, novamente em espanhol, e já com domínio da língua, foi muito mais fácil. Pude me deliciar com esse idioma, que adoro e que tenho como meu segundo, e mergulhar ainda mais no universo fantástico de Gabriel.

Nesses anos eu li muitas outras obras do Gabriel, mas a que mais me tocou foi “O Amor nos Tempos do Cólera”.

Não dá para dizer que gostei mais de um livro do que do outro, porque ambos são maravilhosos. E se “Cem Anos…” é uma obra grandiosa, com inúmeras histórias, todas acontecendo ao mesmo tempo, e todos os tempos misturados, “O Amor nos Tempos do Cólera” é um romance, a história da mais linda história de amor que alguém poderia imaginar. E o final do livro, seu parágrafo final, é certamente o mais belo parágrafo já escrito por alguém nesse mundo. Não vou reproduzi-lo aqui, recomendo a quem não leu que leia, é um livro maravilhoso. Li em português e espanhol também, e presenteei muitas pessoas queridas com esse livro.
Recomendo fortemente.

Fiquei muito triste com a morte de Gabriel – ou Gabo, como era carinhosamente chamado.
Realmente me tocou muito.
E a melhor frase que alguém escreveu sobre seu falecimento foi justamente meu sogro, que foi também a pessoa que me apresentou a esse escritor que me transformou, e isso quando eu ainda era muito jovem…

Ele falou: “Perdi um amigo que jamais soube da minha existência.”

E entendi que minha tristeza era exatamente essa, eu sentia o mesmo.
Sentia que tinha perdido um amigo, um mestre, alguém que havia me tocado e influenciado tanto, e que eu nunca tive, ou teria, a oportunidade de dizer isso a ele, de agradecê-lo.
É uma dor doída, essa.

Mas talvez ele saiba, sim, que entre seus leitores apaixonados, como eu, estão inúmeros amigos e amigas, alunos e discípulos. Todos muito gratos por ele ter tornado nossas vidas mais ricas, e todos muitos tristes pelo vazio que ele irá deixar.

Eu me senti assim, esvaziada.
Mas te vi em meus trabalhos, Gabriel, e me reconfortei.
Obrigada, Gabo. Vou sentir sua falta.


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.