Aos meus amigos do Sul

Olá, meus amigos e amigas do blog…

Uma das coisas que eu havia planejado para esse novo ano era justamente escrever livremente aqui, aos domingos, sempre que um tema viesse na minha cabeça e eu tivesse vontade de compartilhar com vocês. Um tema qualquer, sem relação com meu trabalho, um tema que eu quisesse dividir com meus amigos, como vocês são para mim, amigos com quem gosto de conversar.

Infelizmente o primeiro tema que me ocorreu não é nada agradável. Mas sinto que preciso escrever (falar) disso, para elaborar, processar, extravasar…

Eu tirei férias semana retrasada, como escrevi antes de viajar, por isso não estava aqui quando aconteceu a lamentável tragédia em Santa Maria- RS. Mas fiquei sabendo do ocorrido ainda no domingo de manhã, juntamente com a maioria das pessoas de nosso país, que foram acordadas por essa lamentável tragédia.

A primeira coisa que me ocorreu – logo após a natural tristeza e comoção ao imaginar as centenas de famílias que estavam sofrendo com a perda de seus jovens – foi a lembrança de meus amigos queridos do Rio Grande do Sul. A Flora e toda sua família, da empresa Corfix, as queridas Nara e Antonieta Simão, que eu também conheci pela Corfix e que continuam morando em meu coração; minha querida amiga Lu Gastal, pessoas que certamente estavam (e estão) sofrendo muito mais de perto essa tristeza toda. Será que eles tinham algum conhecido lá, será que perderam alguém? Me perguntava sem parar…

Depois pensei em meus filhos.
Eu tenho três filhos na idade daqueles jovens que morreram de forma tão dramática, três jovens universitários. Posso imaginar o sofrimento daquelas centenas de mães e pais, portanto, com muita facilidade, com uma dureza cruel. Poderia ter sido com um dos meus, como todos eles. Sou mãe e não posso imaginar dor maior do que perder um filho jovem, ainda mais de uma forma tão dramática.

Três dias antes de viajar fui levar meu filho mais novo para fazer sua matrícula na faculdade. Ele vai estudar em uma Universidade Federal no interior de São Paulo, em uma cidade que é como Santa Maria, conhecida por suas universidades, repleta de jovens, repleta de estudantes. Uma cidade universitária, também repleta de boates e baladas, naturalmente.
A alegria de matricular um filho numa faculdade é imensa, a gente fica feliz, feliz, ao ver um filho começando sua vida, fazendo suas primeiras escolhas, saindo de casa para dar seus primeiros passos de independência, criando sua identidade, definindo quem será, o que irá fazer… É bom demais.
Mas como comemorar essa passagem da vida do meu caçula sabendo que centenas de mães como eu estão, nesse momento, chorando por seus jovens filhos?

Minha filha do meio foi morar no interior com 17 anos, quando entrou na faculdade em 2008, por isso eu sei o que é ter um filho morando em um cidade universitária, a gente se preocupa o tempo todo, acreditem, o tempo todo. Ela se formou ano retrasado, já voltou para nossa casa, está fazendo seu mestrado aqui em São Paulo, e logo irá seguir sua vida de novo, assim como cada um dos meus três filhos.

A gente cuida, olha, orienta, educa. Acompanha, acolhe, aconselha e até repreende, quando precisa. Nos dobramos por eles, nos transformamos por eles, nos sacrificamos por eles, e eles nos retribuem, claro, com muitas, muitas alegrias. Mas a preocupação de deixá-los sozinhos é enorme, constante, é como um “susto” permanente… Será que tudo vai dar certo? Será que eles vão ficar bem? Será que vão saber se cuidar?

Eles deixam nossas casas, saem de baixo de nossas asas e nós temos certeza que ninguém, nunca, vai saber cuidar deles como nós… Até que eles mesmo aprendem a se cuidar e tomam as rédeas de suas vidas, essa que é realmente a maior lição que os pais podem deixar aos seus filhos.

Mas quando acontece uma tragédia como a da semana passada, a gente se entristece e revolta demais, porque além da dor de imaginar tantas vidas jovens e promissoras perdidas por nada, por descuido, por descaso, por imprudência, por ganância, nos deparamos com uma realidade muito cruel, a de que mesmo que a gente sempre, sempre, faça a coisa certa, mesmo que a gente cuide para que tudo dê certo, mesmo como todo nosso carinho, cuidado e atenção, mesmo, assim, vivendo em um país como o nosso e numa sociedade de tão pouco comprometimento com o outro, dar certo ou não parece ser muito mais uma coisa do acaso, de sorte.

Não está em nossas mãos. Não depende de nós, pode acontecer, a qualquer momento, em qualquer lugar. Aqui em São Paulo, por exemplo, como em muitas outras cidades do Brasil, essa semana houve um movimento de fiscalização das boates, e adivinhem… 60% dos locais que foram vistoriados não apresentam condições de segurança adequadas para receber os frequentadores. E não são só as boates, não, também são museus, prédios públicos, prédios comerciais… Pura hipocrisia, naturalmente, afinal o movimento dos governantes de fiscalizar só aconteceu por conta da comoção pela tragédia em Santa Maria.

Em um país onde a corrupção corre solta e qualquer fiscal pode ser subornado, qualquer um pode inventar seu “jeitinho” de trabalhar, sem se preocupar com a segurança das pessoas que eles mesmo irão receber, onde não há verdadeiro compromisso com nada, porque, então se dar o trabalho de fazer a coisa que certa? Custa muito mais caro do que simplesmente dar uma graninha aqui, fazer uma economiazinha ali, aumentar a capacidade acolá, tudo em nome de um lucro maior, de ganhar mais, mais e mais… Esse parece ser o pensamento padrão, vivemos cercados de pessoas, a começar pelos políticos, que pensam e agem assim.

Eu tenho três filhos jovens, três jovens universitários que poderiam estar naquela boate em Santa Maria semana passada. Ou podem não voltar para casa na próxima vez que saírem com seus amigos, na próxima vez que forem a uma festa, na próxima vez que estiverem em seus carros.

Muito mais jovens morrem em acidentes de carro nesse país, e a esmagadora maioria por conta de motoristas imprudentes que bebem antes de dirigir, e mesmo que os meus filhos não façam isso, mesmo que gente ensine a eles que essas duas coisas – bebida e direção – definitivamente não combinam, mesmo assim eles estão sujeitos a sofrer um acidente porque um outro motorista pode ser irresponsável e dirigir assim, de forma imprudente, e pode cruzar com eles em seu caminho de irresponsabilidade. Se analisarmos um pouco vamos ver que o comportamento irresponsável dessas pessoas apenas reflete o exemplo que chega dos nossos governantes. Afinal, por que levar tão a sério as normas, as regras de conduta se vivemos em um país que permite a absurda contradição da venda de bebidas nos postos de gasolina, que viraram verdadeiros pontos de encontro pré-baladas para os jovens?

Aqui perto da minha casa tem um posto de gasolina com uma bizarra instalação, um quiosque de uma conhecida marca de cerveja que se chamam “pit-stop”, e nada mais é do que uma geladeira repleta de cervejas para que eles comprem ali mesmo, sem nem mesmo sair do carro… É um quiosque oficial, parte da campanha publicitária, com chamada e propaganda oficial, e fica em uma das maiores redes de postos de gasolina, o que significa que as autoridades desse país permitem esse tipo de absurda contradição: venda de bebidas alcóolicas em postos de gasolina. Inacreditável!

Como é possível que o governo crie campanhas que pedem para não misturarmos bebida com direção ao mesmo tempo que permite a venda de bebidas prontas para consumo em postos de abastecimento de veículos?
E como a publicidade de cerveja, que é claramente voltada aos jovens, é liberada de uma série de restrições porque as indústrias cervejeiras defendem a ideia de que por ter um teor alcóolico menor, a cerveja não precisa passar pelas mesmas restrições das outras bebidas? Como isso é possível?

Como podem os artistas de TV, músicos, cantores e até mesmo atletas (!) aceitarem participar de propagandas de cerveja aos montes, sem nenhum constrangimento, mesmo sabendo que os jovens para quem eles estão mandando a mensagem “Tomem, bebam, consumam, eu recomendo!” irão morrer, em sua maioria, de acidentes de carro causados pela bebida, que é a maior causa de morte de jovens nesse país?

São contradições assim que causam essas tragédias no Brasil.

Não há compromisso, não há responsabilidade. O cara tem uma boate e economiza no revestimento, em detrimento da segurança, ou coloca mais gente para dentro de seu estabelecimento só para ganhar um pouco mais, e que se dane o resto…. O outro é músico e usa artefatos inadequados em seus shows apenas para aparecer mais que as outras bandas, para impressionar, sei lá… O fiscal aceita liberar o negócio por uma graninha a mais em seu bolso, e não pensa um minuto sequer que sua atitude coloca a vida de inúmeras pessoas em risco?

Pensei muito nisso tudo essa semana, e fiquei muito, muito triste, desanimada, desconsolada… Cansa imaginar que mesmo que a gente faça tudo direito, procure ser sempre correto, pague os impostos, seja honesto, mesmo assim, a gente pode ser vítima de uma tragédia como essa, apenas por irresponsabilidade de quem lida com pessoas e de quem deve fiscalizar isso tudo.

Eu queria ter voltado e ter conseguido escrever logo aos meus amigos do Sul, queria fazer contato, falar alguma coisa, qualquer coisa, dar um sinal, me manifestar, ser solidária, como se esse gesto de carinho com eles pudesse simbolizar um gesto de carinho com todos os que estavam e estão sofrendo com os acontecimentos em Santa Maria. Mas confesso que tive muita dificuldade em fazer isso, travei, fiquei muda, calei.

Somente hoje, uma semana depois, é que consegui escrever essas palavras.
Porque tenho vergonha de viver bem com isso tudo, de calar de aceitar. Porque a responsabilidade é também nossa, nós temos que não aceitar, que gritar, que reclamar. Caso contrário, muitos mais jovens como os de Santa Maria, nossos filhos, filhos de amigos, amigos, muito mais jovens que seriam nosso futuro, irão perder suas vidas por irresponsabilidade e ganância de outros.

Meus amigos do sul, eu chorei e choro com vocês, com uma dor imensa no coração.
Cristina Bottallo

6 comentários em “Aos meus amigos do Sul”

  1. OI CRIS,CONCORDO EM GENERO,NUMERO E GRAU COM VOCÊ.E TAMBÉM ME COMPADEÇO COM TODOS QUE PERDERAM SEUS ENTES QUERIDOS,POIS TENHO UM FILHO DE 19ANOS,QUE FREQUENTA ESSE TIPO DE FESTA,AQUI NA MINHA CIDADE.EM UM PAÍS COMO O NOSSO?SÓ DEUS PARA NOS GUARDAR.BOA SEMANA.BEIJOS.VALÉRIA.

  2. Querida Cris, primeiramente quero te agradecer pelo carinho, pelas palavras, e, sobretudo, pelo sentimento. A tristeza é geral, a comoção ultrapassou fronteiras, mal sabemos o que pensar e o que dizer. Além de fatalidade, foi uma série de erros, de desculpas, de empurra-empurra…. lamentável. Nos resta rezar pelos corações que foram, pelos familiares que ficaram, e lutar para que a justiça seja feita. beijos!

    1. Oi, Lu. Obrigada, momento difícil para todos nós, mais ainda para vocês, eu posso imaginar.
      Como escrevi para a Dirce, pretendo tomar algumas atitudes daqui para frente para não calar mais diante de absurdos assim.
      Beijos e saudades…

  3. Faço minhas suas palavras, como as da Valéria Gomes e da Lu Gastal.
    Exigir justiça não trará aqueles jovens de volta, mas evitará que outros tenham o mesmo destino. Nem ocupará o lugar deles nos corações dos que os amavam, mas dará aos que os perderam esperança no futuro e consolo para que não se sintam abandonados…
    A ganância desmedida e a “vista grossa” deve ter um ponto final. Que cada um faça sua parte, ou não poderemos mais encarar o espelho!
    Bjins solidários…

    1. Pois é, Dirce, isso tudo foi muito duro, a gente vai custar a se recuperar. Perdas de vidas assim, por banalidades, são sempre dolorosas. Mas eu pretendo levar à diante algumas ações, em breve irei compartilhar aqui. Obrigada pelas suas palavras. Bjs.

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